No sábado, Jacira chegou em casa passava das duas da tarde. SaÃra da oficina à uma hora e por sorte conseguira embarcar no primeiro ônibus.
Ao
entrar em casa notou logo que Geni deixara amontoada na pia toda louça do café da
manhã e do almoço.
Fingindo
não ver o ar desaprovador da filha, Geni disse calma:
- Deixei
seu prato no forno.
- E a
louça por minha conta.
- Ontem
eu lavei quase tudo. Mas hoje me senti mal, não consegui lavar. Você é moça,
tem mais saúde do que eu.
Jacira
não respondeu. Não queria discutir. Apanhou o prato de comida e notou que
estava fria. Estava com fome e colocou na frigideira para esquentar.
Depois,
sentou-se e começou a comer pensando o que iria fazer à tarde, além de passar a
roupa da semana. Ela gostaria de ter um lugar para ir para poder usar o
vestido novo, mas não lhe ocorria nenhum.
Se
ao menos Margarida morasse mais perto, poderia ir a casa dela conversar um
pouco. Lá o ambiente era calmo e agradável. Jacira tinha vontade de sair, de
passear, de conhecer pessoas e principalmente de usar aquele vestido.
Inquieta,
levantou-se e cuidou de lavar a louça, para evitar a conversa desagradável da
mãe e também para espantar o tédio.
Olhou o relógio, eram cinco horas da tarde. No dia seguinte talvez fosse à casa de Margarida, mas o que fazer para o tempo passar? O pai disputava com a mãe os programas da televisão. Conversar com eles nunca fora possÃvel. Todas à s vezes que ela tentava, seja qual fosse o assunto que puxasse, acabava sempre com as queixas dele por estar desempregado e dela por não ter mais saúde para os serviços domésticos.
Suspirou
resignada. Sentou-se na cama, abriu a gaveta da mesa de cabeceira para pegar a
lixa de unhas e um cartão caiu no chão. Ela apanhou-o e leu: Ernesto Vilares.
Imediatamente lembrou-se do homem que a ajudara a não cair e do lenço dele que
ficara de devolver.
Sorriu.
Estrearia o vestido, já havia se esquecido de que comentara com Margarida que
iria até o endereço dele para devolver-lhe o lenço emprestado.
Colocou o vestido novo e satisfeita olhou-se
no espelho. Parecia outra pessoa. Caprichou no penteado, puxando os cabelos
para trás e colocando uma fivela do lado. Depois, pegou seu sapato preto e
olhou-o sem muito entusiasmo. O salto não era alto como os de suas colegas de
trabalho, mas era o que tinha.
Conformada,
calçou-o e como não tinha uma bolsa mais bonita, preferiu uma carteira pequena,
mas nova. Pintou-se ligeiramente e saiu.
Geni estava lendo revistas
na sala e, vendo-a, levantou-se de um salto dizendo
assustada:
- Aonde você vai vestida
desse jeito e a esta hora?
- Vou sair um pouco, mas
voltarei logo.
- Aonde você vai?
- Dar uma volta.
- E precisava se pintar desse jeito? Onde arranjou
esse vestido tão agarrado? Não tem vergonha?
Jacira suspirou e não
respondeu logo tentando conservar a calma. Parou diante de Geni e disse séria:
- Estou com trinta e oito
anos. Acho que sei cuidar de mim. Não preciso de babá.
- Viu isso, Tide? Você não
vai tomar nenhuma providência? Vai deixar que sua filha saia desse jeito, como
uma prostituta?
Aristides, que estava
assistindo a uma partida de futebol com muito interesse, não respondeu e Geni
gritou:
- Tide? Além da filha, você também não me dá
atenção. O que está acontecendo nesta famÃlia?
Irritado por ter de
desviar a atenção do jogo que estava no auge, ele respondeu:
- Que loucura é esta? Não se pode mais assistir a um
jogo de futebol em paz? Arranjem-se as duas. Não tenho nada com suas discussões.
Deixem-me
em paz.
Jacira foi até o endereço
indicado no cartão, parando diante de uma casa antiga, grande, rodeada de
jardins, muito bonita, no bairro da Aclimação. Pensou que não podia ser lá e
conferiu o endereço novamente. Estava certo.
Ficou parada diante do
portão de ferro, hesitante, sem coragem de tocar a campainha.
Nesse instante, uma moça
muito bem-vestida e um rapaz apareceram, abriram o portão e, vendo Jacira, a
moça perguntou:
- A senhora está esperando por alguém? O curso
acabou e todos já vão sair.
Animada pelo tom amigo em
que ela disse aquelas palavras, Jacira perguntou:
- Aqui é a casa do sr. Ernesto Vilares?
- Aqui é o lugar onde ele ministra seus cursos - respondeu o rapaz sorrindo.
Nesse momento, diversas pessoas saÃram da casa e foram
se aproximando do portão. Jacira perguntou ao rapaz:
- Aqui é uma escola?
- Para adultos. Nós somos alunos do dr. Ernesto.
Jacira olhou-os surpreendida. Ele a convidara para
ir àquele endereço. Sentiu
curiosidade. As pessoas ali eram bem-vestidas, deviam ter estudado em boas escolas,
que curso estariam fazendo?
Não teve coragem de
perguntar. Esperou que todos saÃssem e um rapaz veio para fechar o portão. Vendo-a, indagou:
- A senhora deseja alguma coisa?
- Outro dia o sr. Ernesto emprestou-me
um lenço e eu vim devolvê-lo.
Pode fazer o favor de entregar a ele?
- A senhora não deseja fazê-lo pessoalmente?
- Posso?
- Queira entrar, por favor.
Jacira entrou, acompanhou o moço e foi conduzida a
uma sala onde ela viu o homem que a socorrera naquele fim de dia.
A princÃpio ele não a reconheceu, olhou-a querendo descobrir quem era. Jacira, intimidada
pelo ambiente luxuoso em que estava, disse com suavidade:
- Sou Jacira. Vim devolver-lhe
o lenço que me emprestou
naquele fim de tarde quando me desequilibrei descendo do ônibus.
Ele sorriu, aproximou-se e estendeu a mão:
- Agora me recordo! Você
está diferente. Como vai?
- Bem. Obrigada por tudo.
Não quero tomar o seu tempo.
- Nada disso. Você vai tomar
um café comigo. Esperei que viesse, mas demorou.
- Desculpe. É que eu
trabalho muito e fiquei sem tempo.
- Venha comigo. Vamos na sala ao lado.
Ele segurou o braço dela
conduzindo-a à sala contÃgua. Lá era uma pequena copa, a mesa estava posta e
ele puxou a cadeira para que Jacira se sentasse. Depois, colocou uma xÃcara na
sua frente e perguntou:
- Você toma café, leite ou
prefere chá?
- Café com leite.
Jacira respondeu sem
jeito. A louça era fina e tinha alguns petiscos sobre a mesa. Ernesto serviu-a e sentou-se
dizendo:
- Fique à vontade. Faça de conta que está em sua
casa!
O contraste era tanto que
Jacira não se conteve. Seja por estar nervosa naquela ambiente ou por medo de
não saber portar-se diante de um homem tão
fino, ela desabou a chorar, e ele imediatamente segurou a mão dela dizendo com
voz suave:
- Venha comigo. Vamos nos sentar naquele sofá e
conversar. Tomaremos nosso lanche depois.
Jacira soluçava. As
lágrimas corriam pelo seu rosto e ela não conseguia parar de chorar. A beleza
do lugar, as pessoas finas e bem-vestidas, o ambiente agradável e acolhedor, as
flores nos vasos e o jeito amigo com o qual foi recebida a fizeram notar o
quanto sua vida era ruim, feia, sem graça. Ela chorava os anos perdidos em um
ambiente triste de queixas e problemas sem beleza e sem alegria.
Ernesto continuou
segurando a mão dela e esperou calmamente que ela parasse de chorar. Quando
ela se calou, olhou-o envergonhada e disse:
- Desculpe. Toda vez que nos encontramos eu choro
desse jeito. Eu não sou chorona. Nunca me lembro de ter chorado tanto como
agora.
- Você está lavando a alma.
Jogando fora momentos de frustração e de amargura.
- De
fato. Minha vida tem sido pobre de beleza, de alegria, de amor e de dinheiro.
- No
entanto, você é uma mulher bonita, moça, cheia de saúde, e tem tudo para ser
feliz.
- Você
quer me animar. Sou feia, sem graça, pobre e muito infeliz.
- É
assim que você se vê, mas eu lhe garanto que está errada.
Ela
baixou a cabeça e não respondeu. Ele era um homem bem-educado e estava sendo
gentil. Mas Ernesto percebeu que ela não acreditou em suas palavras e
continuou:
- Aliás,
não estou dizendo isso para agradá-la porque sei que a verdade em qualquer caso
é sempre o melhor caminho. Você é uma pessoa maltratada, que não cuida da sua
aparência, que carrega o mundo nas costas, sempre faz tudo para os outros, mas
não tem responsabilidade consigo mesma.
Jacira admirada, levantou os olhos e seu
rosto cobriu-se de vivo rubor quando
disse:
- Você
cumpre seu horário de trabalho, cuida de seus pais, mas não cuida de você.
Coloca-se em último lugar e se julga inferior aos outros. Não sabe que nossa
primeira obrigação como pessoa é cuidar do nosso bem-estar. Não precisa ter
dinheiro para fazer isso.
Basta prestar atenção ao que sente, valorizar suas
necessidades em primeiro lugar. Só assim vai ficar bem até para poder
desempenhar melhor seus compromissos.
- Eu
não quero ser egoÃsta. Quando chego cansada e reclamo por minha mãe ter
deixado a louça do dia inteiro para eu lavar, ela diz que sou egoÃsta. Sinto-me
culpada e faço tudo o que ela quer. Eu quero que ela seja feliz.
- Mesmo
à custa da sua infelicidade? Você não me parece uma pessoa feliz.
- A
vida tem sido cruel comigo. Meus dois irmãos foram embora de casa há anos e não
dão notÃcias. Meu pai ficou desempregado e não arranjou mais emprego por causa
da idade, o dinheiro que recebe da aposentadoria não dá nem para o aluguel da
casa e todo o dinheiro que ganho na oficina mal dá para pagar as despesas.
Levando essa vida, como eu posso pensar em mim e ser feliz? Às vezes tenho
vontade de ir embora também, mas depois me arrependo. O que será deles se eu
também os deixar?
- Você
é uma boa filha e não é errado dedicar-se ao bem-estar dos seus. Mas sinto que
você está fazendo isso de maneira errada.
- Como
assim?
- Depois
você vai me contar como são seus pais, seus dias no emprego, e como se
relaciona com eles. Então voltaremos a conversar. Agora vamos tomar nosso café,
falar sobre outras coisas.
Desejo mostrar-lhe nosso espaço e explicar como é
nosso trabalho com as pessoas.
O
rosto de Jacira animou-se:
- Observei
as pessoas saindo animadas, pensei que fosse uma festa.
Ernesto
sorriu e seus olhos brilharam. Falar do seu trabalho era o que ele mais gostava.
- Aprender
a viver melhor é sempre uma festa e eu gosto de ensinar como se faz isso. Essa
é minha profissão.
- Não
entendi. Você é médico?
- De
certa forma sim, mas eu cuido da alma.
- Você
é um médico da alma? Não sei como é isso. Nunca ouvi falar.
Ernesto sorriu e
respondeu:
coloca em primeiro lugar e se esquece de cuidar
de si. Como está se sacrificando pelos outros, espera que eles cuidem de você.
Ernesto falava devagar,
olhando nos olhos de Jacira, fez ligeira pausa e, notando que ela estava prestando
atenção, continuou:
- Essa é uma grande ilusão
porque os outros não vão fazer o que você gostaria. Alguns procuram tirar
proveito, usando-a, outros se afastam porque
não gostam que se intrometa em suas vidas.
- Eu me sacrifico pelos meus
pais e eles nunca me agradecem, só criticam. Minha mãe diz que eu sou feia,
quando me arrumo um pouco melhor, que pareço uma prostituta. Eles são ingratos,
não reconhecem meu esforço. Isso me entristece muito. Às vezes tenho vontade de
sumir, ir para longe. Mas falta coragem.
- Se eles a tratam dessa
forma, a culpa é sua, não deles.
Jacira olhou-o admirada:
- Minha? Eu faço tudo para
eles e a culpa é minha?
- Você não sabe se colocar.
Se faz tudo que eles querem como é que eles vão saber até onde podem ir? Você
não coloca limites e eles acham que podem abusar.
Jacira ficou pensativa por
alguns segundos depois disse:
- No outro dia fui passar o domingo na casa de minha
única amiga e quando voltei no fim da tarde, minha mãe estava brava porque eu
saà e não passei a roupa da semana e ainda deixou toda a louça do dia na pia
para eu lavar. Eu não suportei. Ela diz que é doente, mas
muitas vezes eu duvido. Tem muito apetite, lê revistas o dia inteiro ou fica na
televisão com muita disposição. Só se sente mal na hora de fazer algum serviço.
Eu não aguentei. Disse
que ia passar a roupa, mas a louça não ia lavar. Ela tentou convencer-me, disse
que estava passando mal, porém fiquei firme. Cumpri a minha parte e fui dormir.
- Na
manhã seguinte a cozinha estava arrumada.
- Como
sabe?
- Por
que você fez do jeito certo. Colocou-se.
- Na
hora fiquei com remorso pensando que eu poderia ter arrumado a cozinha.
- Se
fizesse isso a estaria prejudicando mais ainda.
- Você
está enganado. Eu jamais seria capaz de prejudicar alguém. Gosto de ajudar.
- Toda
ajuda precisa ser inteligente para fazer com que a pessoa melhore. Você está
impedindo sua mãe de se ocupar tornando-a indolente e comodista.
- Ela
age assim porque quer. Está sempre insatisfeita, queixando-se da vida, de
tudo.
- A
atividade fÃsica distrai, ocupa o pensamento e faz o corpo se mexer. Na
natureza tudo é movimento. Não fazer nada traz insatisfação, tédio. Sua mãe precisa
voltar a interessar-se pela vida.
Jacira
olhou-o séria. Ernesto tinha razão. Geni perdera o gosto pela vida, vivia incapaz de apreciar
qualquer coisa. Mergulhava nas histórias românticas para esquecer a própria
infelicidade. Vivia de ilusão.
- De
fato. Eu gostaria de fazer alguma coisa para que ela se sentisse mais feliz.
- Eu
sei. Mas antes você precisa conquistar a sua própria felicidade.
Jacira
suspirou e respondeu:
- Eu
já desisti. Felicidade não é para mim. Ernesto olhou-a sério e pediu:
- Feche
os olhos.
Ela
obedeceu e ele prosseguiu:
- Imagine
que você está em um jardim cheio de flores. Sinta o perfume que elas emanam. O
céu está azul e sem nuvens, o ar é leve e agradável. Os pássaros cantam
alegres nas árvores e seu coração está em paz. Pense que você não está só. EspÃritos iluminados,
mensageiros da luz a envolvem com amor. Querem que ouça o que têm a dizer.
O
corpo de Jacira estremeceu, fundo suspiro saiu do seu peito.
Ernesto
levantou-se, ligou o som e uma música suave encheu o ar enquanto Jacira
recostou-se no sofá e relaxou.
Ernesto sorriu, deixou-a lá e calmamente foi
tomar seu café. Depois foi até ela que parecia adormecida. Sentou-se na
poltrona ao lado e fechou os olhos em concentração.
O
que viu deixou-o admirado. Quando alguém estava muito envolvido com problemas
emocionais, ele costumava utilizar exercÃcios de elevação espiritual, a fim de
que a pessoa experimentasse o prazer de sentir vibrações sublimes e a partir
dessa experiência começasse a cultivar pensamentos mais elevados em busca de
bem-estar.
Mas com Jacira acontecera algo diferente. Ele
estava vendo que o espÃrito dela, fora do corpo, estava mesmo sentado em um
banco de um lindo jardim florido, enquanto uma mulher muito bonita, ao seu lado
conversava. Uma calma muito grande reinava na cena.
Ernesto
esforçou-se para ouvir o que diziam.
- Você
tem reagido e tentado melhorar. Precisa fazer muito mais. Hoje a trouxemos aqui
para que pudesse sentir o gosto de estar bem e quando acordar vai se recordar
destes momentos. Isso vai ajudá-la a sentir que você pode conquistar uma vida
melhor. Nós queremos ajudá-la, mas só poderemos fazer isso se você nos der a
chance.
- Eu
quero ficar aqui com você. Não quero mais voltar para minha casa.
- Isso
não é possÃvel. Lá é seu lugar até aprender como vencer todas as dificuldades.
- Não
tenho como fazer isso!
- Não
é verdade. Você é forte e dentro de você tem tudo o que precisa para
tornar-se uma vencedora.
- Você
vai me ajudar?
- Primeiro
você precisa fazer a sua parte. Essa é a regra para podermos atuar. Está na
hora de você voltar. Meu nome é Marina.
- Onde
você mora? Gostaria de procurá-la.
- Muito
longe. Você ainda não pode ir até lá. Mas quando pensar em mim, entrarei em
contato.
Marina
levantou as mãos de onde saÃam feixes de luz azul brilhante e colocou-as sobre
o corpo de Jacira. Depois de alguns segundos, desapareceu.
Ernesto
abriu os olhos e notou que Jacira estava acordando dizendo baixinho:
- Eu
quero ficar aqui. É muito bom. Não quero voltar.
Remexeu-se,
abriu os olhos e fixando-os em Ernesto disse emocionada:
- Que
sonho maravilhoso! - Depois, percebendo onde estava continuou: - Desculpe, eu
dormi. Não sei como foi isso. Estava cansada...
- Você
não dormiu. Você saiu do corpo e foi encontrar-se com o espÃrito de uma
mulher.
Jacira
olhou-o assustada:
- EspÃrito?
Não. Era uma mulher muito bonita chamada Marina.
- Eu
sei. Eu vi onde vocês estavam.
- Um
lugar maravilhoso! Cheio de flores, tudo lindo! Acho que estive no céu!
Ernesto sorriu:
- Você
se elevou e visitou uma dimensão astral mais elevada. Por esse motivo,
sentiu-se tão bem.
- Ainda
estou sentindo um bem-estar muito grande.
- Você
conseguiu fazer contato com essa mulher que deseja ajudá-la a melhorar sua
vida.
Jacira
suspirou pensativa, depois
respondeu:
- Foi
um sonho bom, mas não creio que se realize. Minha vida não tem como mudar. Não
posso abandonar meus pais, não tenho conhecimento nem uma profissão que me
permita ganhar um salário maior. Ernesto sorriu e considerou:
- Você está olhando os fatos do ponto de vista
materialista. A vida vai muito além da matéria. Nosso espÃrito é eterno, nunca
morre. Nosso corpo de carne acaba, mas nós continuaremos vivendo em outras dimensões
do Universo.
- Como pode ser isso?
- Nosso espÃrito já vestiu outros corpos de carne neste mundo. Nós somos
cidadãos do Universo, onde há milhares de moradas para toda a humanidade.
- Como posso saber se isso é
verdade?
- Você acabou de viajar para
um desses lugares.
- Esse jardim não pertence a
Terra? Quando eu estava lá tudo era muito sólido.
- Era sólido para seu espÃrito,
mas invisÃvel para os olhos da carne.
Não é um lugar onde você possa ir quando
quiser, mas somente quando sai do corpo e vai com o corpo espiritual.
- Nós temos mais de um corpo?
- Temos vários que estão todos juntos trabalhando
para que estejamos aqui. Mas a experiência que você viveu mostra que somos
imortais, que a morte não é o fim e continuaremos vivos quando nosso corpo de
carne morrer.
Jacira abriu a boca e fechou-a novamente, depois de alguns instantes tornou:
- Não foi a primeira vez que eu sonhei como hoje. Já
estive em um lugar onde uma mulher falou comigo e eu nunca mais esqueci. Mas o
sonho de hoje foi muito mais forte, claro, eu senti que estava muito contente,
feliz como nunca me recordo de haver sido.
- Sinto que o que aconteceu hoje pode mudar sua
vida. Gostaria de ajudá-la a conseguir isso.
- Vai me oferecer um emprego melhor?
- Não. Mas meus cursos têm esse objetivo.
Desejo que venha assistir à s
minhas aulas.
Jacira hesitou:
- Não
sei...
- Não
gostaria?
- Gostaria
muito, mas talvez não possa pagar as aulas.
- Você
é minha convidada, não terá de pagar nada. Poderá vir todos os sábados.
- As
pessoas são bem-vestidas, devem gostar de conviver com gente de classe.
- Você
é tão boa quanto elas. Não se deixe levar pela vaidade. Não tenha vergonha de
sua posição social. Você é uma pessoa, precisa aprendera se valorizar. Terei o
maior prazer em vê-la entre meus alunos.
- Nesse
caso farei o possÃvel para vir.
- Venha
tomar seu café e depois quero mostrar-lhe todo nosso espaço e explicar-lhe
algumas coisas mais.
Eles
dirigiram-se para a mesa, Ernesto trocou o café com leite que estava frio e
serviu-se também.
Depois,
percorreram a casa e ele ia descrevendo como funcionavam os cursos. Já tinha
escurecido quando Jacira saiu depois de despedir-se.
Durante
o trajeto de volta, sentia-se animada e feliz. A vida também tinha um lado bom
que ela um dia poderia desfrutar.
Chegou
em casa depois das nove horas. Entrou e encontrou os pais diante da televisão.
Vendo-a entrar, Geni levantou-se
da poltrona dizendo:
- Até
que enfim chegou! Pode nos dizer onde andou até esta hora?
Arrancada de seus pensamentos Ãntimos pelo
tom desagradável da voz de sua mãe, Jacira sentiu como se lhe tivessem atirado
um balde de água fria na cabeça.
A mudança foi tanta que a custo conseguiu segurar
a irritação.
- Não é tão tarde assim -
respondeu tentando dominar a raiva.
Geni colocou
as mãos na cintura e continuou em tom provocativo:
- É
sim! Está vendo, Tide? Ela pensa que mora em uma pensão, que pode sair sem
dizer aonde vai e chegar em casa tarde da noite como se fosse uma
qualquer.
Jacira olhou-a séria e preferiu não responder. Se falasse
certamente iria brigar. Sem dizer nada, foi para o quarto. Sentou-se na cama tentando recuperar o bem-estar. Não conseguiu.
Começou então a rememorar tudo
que acontecera naquela tarde. Cinco minutos depois, Aristides bateu na porta.
Estava mal-humorado por ter que deixar seu
programa esportivo predileto.
- Abra a porta, Jacira. Sua mãe está passando mal e a culpa é sua.
Uma onda de indignação
envolveu Jacira. Levantou-se, abriu e ficou parada
diante do pai. Não queria brigar.
Ele entrou e foi dizendo
em tom contrariado:
- O que está acontecendo com você? Sempre foi uma boa filha. Por que agora
deu para afrontar sua mãe? Sabe que ela é doente. Está passando mal, com dores
no peito, falta de ar e chorando sem parar.
Jacira suspirou resignada.
Sua vida não tinha jeito mesmo. O que fazer com uma famÃlia como a sua? Se eles
fossem como Ernesto, tudo seria diferente. Amargurada respondeu:
- Não fiz por mal, pai.
Estou cansada e queria dormir.
- Por que não disse aonde
foi nem respondeu às suas perguntas?
Ela se interessa pelo seu bem-estar. Preocupa-se com você, lhe quer bem.
Por esse motivo sofre quando você não lhe dá satisfações.
Ela teve vontade de dizer que tinha idade para cuidar
de si mesma e que não precisava que a mãe ficasse tomando conta de todos os
seus passos. Mas sabia que não adiantaria. Ele nunca entenderia.
- Vou descer e conversar com ela.
- Faça isso, filha. Diga-lhe
onde foi e com quem. Assim ela
ficará bem.
Eles desceram. Geni estava
estendida no sofá, com as mãos no rosto. Aristides aproximou-se:
- Está melhor, Geni?
Ela meneou a cabeça negativamente e não
respondeu. Ele continuou:
- Jacira
não fez por mal, é que chegou cansada e queria dormir. Veja, ela
está aqui para conversar com você.
Geni continuou cobrindo o rosto e seu corpo foi sacudido
por alguns soluços. Jacira não acreditou muito naquele mal-estar, mas estava
desanimada e resolveu ceder:
- Não
precisa chorar, mãe. Eu fui na casa da minha colega da oficina. Ficamos
conversando e o tempo foi passando.
- Você
não me disse nada e eu fiquei esperando você para jantar, seu prato está no
forno.
- Obrigada,
mas estou sem fome.
- Vai
ver que jantou na casa dela. Você não gosta mais da minha comida.
- Você
está enganada. Tomamos um lanche e isso me tirou a fome.
Estou cansada e quero
ir dormir.
- Não
vai lavar a louça do jantar? Jacira suspirou resignada:
- Pode
deixar, eu lavo.
Ela foi para a cozinha e começou a dispor
tudo para lavar.
Silenciosamente foi até a porta da sala espiar. Geni estava sentada em sua
poltrona favorita assistindo à televisão. Ela não gostava do programa
esportivo, mas se não deixasse o marido assisti-lo, ele por sua vez não a
deixaria ver o que queria. Felizmente, o programa predileto dele estava no fim
e logo ela poderia ver o que desejava.
Jacira olhou o rosto da mãe e notou que ela
estava muito bem, fisionomia relaxada e calma. Não parecia ter chorado de
verdade nem ter passado mal.
Enquanto lavava a louça, lágrimas sentidas
desciam pelas suas faces enquanto ela pensava:
"A
felicidade não é para mim. Sábado vou até Ernesto dizer que não será possÃvel frequentar suas aulas. E melhor eu me
resignar ao meu destino. Nada que eu faça poderá mudar isso".
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