Durante os primeiros dias da semana seguinte, Jacira sentiu-se triste, deprimida. Na quinta-feira sentou-se ao lado de Margarida na hora do almoço.
Tinha levado lanche de casa, mas
estava sem fome.
Margarida olhou-a
e
perguntou:
- Não vai comer?
- Estou sem fome.
Margarida abriu a marmita
e ofereceu:
- Eu trouxe macarrão e frango. Está muito bom. Quer
um pouco?
- Não. Obrigada.
A outra a olhou séria e
considerou:
- Tenho notado que você anda
triste, sem vontade, não se arruma mais como antes. Ultimamente você estava
bem, esforçava-se para melhorar, cuidava
mais da aparência. O que aconteceu para você voltar a ser como antes?
- Eu me cansei, Margarida.
Não vou lutar mais. De que adianta?
Quem não tem sorte como eu, precisa
aceitar as coisas como são.
- Não
a estou reconhecendo. Você disse que no sábado vestiria seu vestido novo e iria
devolver aquele lenço perfumado. Pelo visto você não foi.
Jacira
tentou reter as lágrimas que teimavam em lhe descer pelas faces, como não
conseguiu, apanhou um guardanapo
de papel e enxugou o rosto com raiva:
- Eu
fui.
- Encontrou
o homem?
- Sim.
- Você
foi vê-lo e ele a maltratou e a deixou magoada.
- Ao
contrário. Ele me recebeu muito bem, mostrou-me toda a casa. É muito grande e
bem-arrumada.
- Então
não estou entendendo. Conte-me tudo. Os olhos de Jacira brilharam e seu rosto
dis-tendeu-se quando começou a contar como fora a visita e o convite que
Ernesto lhe fizera. Finalizou:
- Eu
saí de lá no sétimo céu, fazendo mil planos para mudar minha vida, mas ao
chegar em casa caí na realidade. Minha mãe se fingindo de doente para não ter
de fazer os serviços domésticos, meu pai interessado na televisão,
repreendendo-me por eu protestar por ela ter deixado todo serviço para mim!
Então percebi que por mais que eu faça nunca me libertarei deles.
- Mas
eles sempre foram assim. Não entendo por que você estranhou tanto.
- É
que Ernesto me mostrou que para certas pessoas a vida pode ser muito diferente
da que eu sempre vivi. Senti que a distância entre eu e o povo que vai assistir
às suas aulas é tão grande que não vai adiantar eu ir.
Margarida abraçou a amiga dizendo:
- Você
está errada. A vida está lhe dando a chance de aprender com uma pessoa boa, de
classe, e você está querendo jogar tudo fora. Eu, se pudesse, adoraria ir a
essas aulas.
- As pessoas estavam muito
bem-vestidas.
- Você
também estava. Aquele vestido azul lhe caiu muito bem. Além disso, tem o novo.
- Mas
eu só tenho os dois. Teria de ir sempre c0m eles.
- Isso
não é problema. Eu resolvo para você. Jacira olhou-a admirada:
- Como?
- Vamos
fazer novos vestidos.
- Não
tenho como comprar os tecidos.
- Deixe
de ser teimosa. Eu tenho ainda alguns cortes. Para o próximo sábado você já
tem. Mas eu tenho um que sobrou da minha coleção da loja que poderei reformar
para você.
- Não
precisa se incomodar. Eu resolvi não ir.
- Você
precisa ir. Não pode perder essa oportunidade. Eu tenho suas medidas e hoje a
noite mesmo vou reformá-lo para você. Com pequenos ajustes ficará lindo.
Jacira
olhava hesitante e seus olhos brilharam motivados. O sinal tocou e elas
precisavam entrar na oficina. Jacira abraçou a amiga dizendo emocionada:
- Você
é o anjo bom que Deus colocou na minha vida. Nem almoçou por minha causa.
- Não se preocupe. Eu preciso perder alguns quilos.
Elas voltaram ao trabalho e Jacira sentia-se muito
melhor.
Iria assistir à aula no sábado, ainda que depois não pudesse ir mais. Pelo
menos estaria em um ambiente alegre, bonito e entre pessoas educadas.
Na
manhã do dia seguinte quando Jacira chegou ao trabalho, Margarida fez-lhe sinal
que havia lhe levado o vestido. Apesar de curiosa, ela não pode vê-lo antes do
almoço.
Assim
que o sinal tocou, as duas correram ao toalete e Margarida, satisfeita, abriu a sacola e tirou um
vestido de seda verde-garrafa. Os olhos de Jacira brilharam:
- Que
lindo!
- Vai
ficar muito bem em sua pele morena. Experimente, vamos ver como fica.
Rapidamente
Jacira o vestiu e caiu-lhe muito bem. O vestido era justo, manga japonesa, decote V e a saia tinha recortes
que se abriam embaixo. Um cinto com uma fivela dourada realçava a cintura.
- Você
está linda! Se eu ainda tivesse a loja, você seria minha modelo. Tem um corpo
muito bom.
Jacira
acariciava a seda da saia com prazer e comentou:
- Deve
ser muito caro.
- É
uma seda muito fina. Estou certa de que você com ele vai ser a mulher mais
bonita de lá. Eu gostaria que cuidasse melhor dos seus cabelos. Hoje, ao
sairmos, vou levá-la ao salão do meu amigo Belo.
Ele corta e penteia muito bem.
E, pode ir sossegada, de você ele nem vai cobrar. Agora, tire o vestido senão
não dará tempo de almoçar.
Elas
se apressaram e ainda tiveram tempo de comer antes que o sinal soasse. Jacira
estava ansiosa e parecia que o tempo não passava. Não via a hora que o sinal
tocasse indicando o fim da jornada de trabalho. Finalmente ele soou e elas
puderam deixar a oficina.
Uma
vez na rua, Jacira disse à amiga:
- Seu
amigo é um trabalhador como nós. Não é justo que ele me atenda de graça. Se ele
não cobrar muito, eu gostaria de pagá-lo.
Quando
ele começou, o pai não queria que ele fosse cabeleireiro e o colocou para fora
de casa.
- Por
quê? Ele não era trabalhador?
- Era.
Mas você sabe, ele não era igual aos outros rapazes e o pai queria que ele
tivesse outra profissão.
- Puro
preconceito. É cruel colocar um filho para fora de casa.
- Qual
nada. Foi bom para ele. O pai não o entendia e estava atrapalhando sua
vocação. Claro que no começo foi difícil, e eu, muitas vezes, chamei-o para
ficar em casa. Mas
ele logo começou a trabalhar de ajudante em um salão para pagar os cursos e
quando se formou começou a ganhar dinheiro. Até que montou seu próprio salão.
Você vai gostar dele. Vamos tomar aquele ônibus que está vindo.
Elas
correram e conseguiram subir no ônibus. Não estava tão cheio como Jacira
costumava ver. É que ele se dirigia para o centro da cidade.
A
certa altura, Margarida deu sinal e desceram. O bairro era bonito, as casas
boas e as ruas cheias de árvores.
- Venha
- convidou Margarida. - Fica logo ali. Foram andando e pararam diante de um
prédio
muito
bonito, o que fez Jacira observar:
- Quando
passo por um lugar como este, não tenho nem coragem de entrar.
- Bobagem.
Eu não ligo para isso.
Margarida
puxou Jacira pela mão e entraram no salão. Jacira encantou-se com os espelhos e
os arranjos de flores.
- A
esta hora não tem muita gente. Mas aqui costuma estar sempre lotado.
Havia
apenas duas mulheres sendo atendidas. Margarida, segurando Jacira pela mão,
caminhou para o fundo do salão, em direção a um rapaz que estava sentado de
costas tomando um café.
- Como
vai, Belo? - disse Margarida tocando levemente no ombro dele.
Imediatamente
ele se voltou e vendo-as levantou-se com um sorriso agradável no rosto:
- Margarida,
minha linda! Que bom vê-la! Abraçou-a calorosamente beijando-a sonoramente
na
face.
Jacira olhava-o admirada. Era um homem alto,
lindo, moreno, traços perfeitos, grandes olhos verdes, cabelos castanhos com
reflexos dourados, exibindo dentes alvos e bem distribuídos.
- Esta é minha amiga Jacira. Já lhe falei dela.
- Como
vai, Jacira? Faz algum tempo que Margarida me falou de você. Por que demorou
tanto?
- Vou
bem... - balbuciou ela
sem saber o que dizer. Margarida interveio:
- Vou
contar-lhe por que decidimos vir hoje aqui. Em poucas palavras Margarida falou
do convite
para as aulas e por que Jacira desejava
desistir. Ele ouviu tudo com atenção, depois comentou:
- Não
faça isso, minha filha! No mundo, se você não se colocar lá em cima, os outros
passam por cima sem dó nem piedade. Quem espera valorização dos outros, fica
sempre por baixo. É você que tem de se valorizar.
- É
que eu nunca tive chance na vida. Sempre fui pobre, feia, e meus pais dependem
de mim.
Belo
fixou-a sério, depois respondeu:
- No
meu conceito, não existe mulher feia. Só as que acreditam na própria feiura e não fazem nada para
melhorar. Quanto a você, dá para notar que não se cuida mesmo. Está maltratada,
rosto sem maquiagem, cabelos queimados de sol, sem brilho, e outras coisas
mais.
- Eu
sei que sou assim. Eu nasci assim e não vejo como mudar.
- Pois
eu aposto com você que posso transformá-la em uma mulher elegante, de classe.
Os
olhos de Jacira brilharam por alguns segundos, depois uma onda de tristeza a acometeu:
- Essas
coisas custam caro. Não tenho como pagar.
- O
mundo não se fez em um dia. Posso ensinar-lhe como cuidar de sua pele, dos seus
cabelos, com recursos caseiros. Maquiagem não custa tão caro. Há produtos
baratos que fazem o mesmo efeito. Mas há um problema...
- Qual?
- indagou Jacira.
- Preciso
saber se você realmente quer se tornar uma mulher bonita, atraente.
- Querer
eu quero, mas não acredito que eu seja capaz de me tornar o que você diz.
- A
postura é o mais importante. Se você não perceber sua própria beleza, se não
acreditar que é bonita, não poderei fazer nada. É a confiança em si, o brilho
do olhar, o sorriso alegre, que criam as energias necessárias à mudança. Para
que sua beleza venha para fora, é preciso que você aprenda a enxergá-la dentro
de você e expressá-la.
- É
verdade - tornou Margarida sorrindo. -Quantas vezes vemos mulheres que achamos
feias, ao lado de homens bonitos, chiques, que tudo fazem para agradá-las?
- Entendeu
o que eu disse? - tornou Belo com um sorriso maroto.
- Será que eu seria capaz disso? Belo deu de ombros e
respondeu:
- Não sei. Só sei que se
desejar de fato, vai conseguir.
Os olhos de Jacira brilharam, apesar de tudo,
ela estava hesitante. Margarida interveio:
- Ele sabe o que diz!
Acredite. Você já perdeu muito tempo em sua vida. O que está esperando?
Belo puxou uma cadeira em frente do espelho:
- Sente-se aqui, Jacira. Vamos
ver o que podemos fazer.
Ela obedeceu. Olhando-se no espelho sentiu
vontade de levantar-se e ir embora correndo. Ela era muito feia! Por mais que
ele quisesse não conseguiria torná-la bonita.
Belo examinou os cabelos dela com atenção,
puxou-os para trás observando o efeito, depois os levantou dos lados, puxando
uma onda do lado, virou novamente e depois disse:
- Seu
cabelo é de boa qualidade. Está maltratado. Já sei como vou cortá-lo e fazer
uma boa hidratação. Quanto
à sua pele é boa e sem manchas, mas também precisa de certos cuidados. Vou
ensinar-lhe como fazer em casa.
Colocou
um avental nela, chamou uma mocinha e deu as instruções para lavar seus
cabelos. Enquanto a garota levou Jacira para o lavatório, ele ficou conversando com
Margarida:
- Você
a trouxe para que aprenda a cuidar-se. Quando é que também vai criar vergonha e
se cuidar como já lhe ensinei?
- Eu
estou bem assim. Não tenho paciência para fazer o que você quer.
- Desde
que trancou seu coração sente prazer em ficar feia para escapar dos homens.
Está perdendo muito tempo. A vida passa e quando se arrepender, será tarde.
- Eu
não tenho um corpo elegante. Sou baixinha e gordinha. Por mais que faça, não
sairei disso.
- Você
poderia ser uma gordinha
linda se se cuidasse. Já que não quer emagrecer, cuidar do corpo, pelo
menos cuide dos cabelos, da pele, que já foi melhor do que agora.
- Eu
vim para ajudar Jacira. Desejo que ela encontre alguém e possa ser feliz. Sabe
que ela nunca teve um namorado? Tem mais de trinta anos.
- Ela
ainda não entendeu o que é ser mulher. Não tem postura. Não encontrou seu
próprio brilho. Estou certo de poder fazê-la perceber que pode mudar.
Pouco
depois, quando Jacira voltou, ele começou a trabalhar. Virou a cadeira dela de
costas para o espelho e mandou uma moça fazer suas unhas. Cortou os cabelos,
depois os penteou e arrumou as sobrancelhas, fazendo uma maquiagem.
Quando ela ficou pronta, Belo virou a cadeira
de frente para o espelho e disse:
- Conhece
essa mulher?
Jacira
olhou e não se reconheceu. Os cabelos mais curtos, penteados para o lado,
desciam até os ombros repicados
e ligeiramente ondulados suavizavam os traços de seu rosto. Seus olhos
pareciam maiores e seus lábios bem delineados tornaram-se mais bonitos.
Jacira
ficou muda. Aquela não podia ser ela. Quando conseguiu falar disse:
- O
que você fez? Essa não se parece comigo.
- Essa
é você. Não gostou?
- Estou
mais jovem, mais bonita.
- De
agora em diante precisa conservar. Vou dar-lhe alguns produtos para que possa
continuar se arrumando bem.
Antes
que ela falasse, ele continuou:
- Não
vai lhe custar nada. O salão ganha dos fornecedores alguns produtos e posso
doá-los desde que me prometa que vai usá-los.
Jacira
estava entusiasmada. Pela primeira vez via-se como uma mulher bonita. Não
conteve a admiração:
- Será
que vou saber me arrumar assim?
- Não
será difícil. Da forma como cortei seus cabelos, será fácil penteá-los. Vou
ensiná-la. Quanto à maquiagem, é muito simples.
Logo aprenderá.
Na
meia hora em que ficaram conversando, Belo deu-lhe alguns produtos e ensinou-a
a usá-los. Ao despedir-se, Jacira fez questão de agradecer e dizer que dali
para a frente ela lhe seria grata e gostaria muito que a aceitasse como sua
amiga. Belo sentiu-se feliz e satisfeito. Transformar as pessoas, torná-las
belas, era o que ele mais gostava de fazer.
Quando
deixaram o salão, já havia escurecido, só então Jacira pensou em seus pais.
Certamente não aprovariam sua mudança.
- Quando
eu chegar em casa vou ter de brigar com minha mãe. Ela não vai gostar da minha
aparência.
- Não
entendo por quê. Você ficou muito mais bonita. Qualquer um gostaria de vê-la
mais arrumada.
- Não
minha mãe. Ela é antiquada. Não gosta de maquiagem. Vai ficar mais brava com a
cor do esmalte em minhas unhas. Nunca deixou que eu usasse nem base.
- Não
ligue para o que ela vai dizer. Quando souber que daqui para a frente você vai
se arrumar assim, acabará se acostumando.
Jacira
suspirou:
- Espero
que sim.
- Você
gostou, não gostou?
- Adorei.
- Então
pronto. Isso é o que conta.
Elas
pararam no ponto de ônibus. Jacira despediu-se da amiga beijando-a na face,
depois disse:
- Nunca
esquecerei o que está fazendo por mim. Você pode contar comigo para qualquer
coisa.
- Gosto
de você e desejo que seja feliz.
Abraçaram-se
e Jacira atravessou a rua para esperar o ônibus e ir para casa. Apesar de já
ter escurecido, ainda havia uma fila e ela posicionou-se no fim dela. Se
tivesse sorte tomaria o primeiro ônibus, ainda que fosse para viajar em pé. Não
queria se atrasar ainda mais.
Em
seguida, chegaram mais dois homens e ficaram atrás dela. Eles conversavam
animadamente e Jacira nem prestou atenção. Estava preocupada com a reação de
sua mãe.
Naquele
momento, alguma coisa caiu sobre seu pé esquerdo e ela estremeceu assustada.
Olhou para ver o que era e um isqueiro estava entre seus pés. O homem, que
estava atrás dela, abaixou-se para apanhá-lo e Jacira afastou-se um pouco para
que ele o fizesse.
Depois, ele levantou o rosto e olhou-a
sorrindo:
- Desculpe.
Machucou?
Era um homem bonito, olhos grandes que a
olhavam fixamente. Ela, um pouco acanhada, respondeu:
- Não.
- Sinto
tê-la assustado. Mas esse pequeno incidente me trouxe a oportunidade de
conhecê-la.
Jacira
não conseguiu responder. Ele a olhava com admiração e ela ficou sem jeito.
- Se você não fala com
desconhecidos, eu me apresento: meu nome é Nelson Martins. E o seu?
Ela,
então, respondeu com voz que procurou tornar firme:
- Jacira.
- Muito
prazer.
Ele
estendeu a mão e ela a apertou. Vendo que ele queria continuar conversando,
Jacira ficou aliviada quando o ônibus chegou e as pessoas começaram a subir.
No
momento em que ela ia subir, ele rapidamente a ajudou, o que a fez ficar mais
acanhada. Nunca nenhum homem a tinha olhado daquele jeito e ela sentia-se um
pouco assustada.
Parecia-lhe
ouvir sua mãe dizendo: "Vai já lavar essa cara e tirar essa maquiagem.
Você parece uma prostituta".
Sentiu
vontade de sair correndo e procurou sentar-se ao lado de uma senhora para
evitar que ele se sentasse ao seu lado. Ele sentou-se do outro lado, um pouco
atrás e ela sentia o olhar dele pousado nela. Apesar do medo e das palavras de
sua mãe que a incomodavam, ela refletiu que alguém a olhara com interesse.
Ainda
que fosse com intenção ruim, pelo menos alguém se interessara por ela.
Quando
chegou ao ponto, ela deu o sinal, desceu, e nervosa notou que Nelson desceu
também. Começou a caminhar depressa, mas ele a alcançou com facilidade
segurando seu braço:
- Espere.
Quero falar com você.
Ela
parou olhando-o nos olhos. Se ele lhe dissesse algo indecente, estava disposta
a mostrar-lhe que não era uma prostituta. Ele sorriu e continuou:
- É
sempre assim?
- Assim
como? - respondeu ela de má vontade.
- Difícil.
Eu já me apresentei, podemos conversar? Simpatizei com você, desejo
conhecê-la. Você é casada ou comprometida?
- Não. Mas não costumo
conversar com estranhos.
- Já
nos apresentamos, não somos mais estranhos. Os olhos dele eram amistosos e o
rosto de Jacira
desanuviou-se.
- É
que estou com pressa. Atrasei-me, não avisei minha mãe e ela deve estar
preocupada.
- Foi
por uma boa razão. Vi quando saiu daquele salão.
- Viu?
- Sim, e a segui até o ponto
de ônibus. Não queria Perder a chance de conversar com você.
Vendo que ela não respondeu, ele pediu:
- Vamos nos sentar em um banco da praça para
conversar um pouco?
Jacira estava sem saber o
que dizer. Seu rosto estava corado e parecia-lhe
estar
fazendo alguma coisa errada. Por outro lado sentia vontade de ir.
- É tarde. Não posso
demorar.
- Apenas alguns minutos não
fará diferença, você já está atrasada mesmo.
Ela concordou com a cabeça
e ambos foram caminhando até a praça; no caminho ele segurou delicadamente o
braço dela para atravessarem a rua. Sentaram-se
no
primeiro banco. Ela não sabia o que dizer. Para deixá-la mais à vontade, ele
perguntou se ela trabalhava e, percebendo que ele a tratava com respeito, aos
poucos Jacira foi falando sobre seu trabalho na oficina. Por fim, perguntou:
- E você, trabalha em quê?
- Em um escritório de
contabilidade.
- Você gosta?
- Nem tanto. Mas foi o que
pude encontrar.
- Eu também não gosto da
oficina. Mas preciso do emprego. Meus pais dependem de mim. E por falar neles,
tenho de ir.
Jacira levantou-se, ele também, segurou a mão dela dizendo:
- Vou acompanhá-la até sua
casa.
- Não é preciso.
- Faço questão.
Jacira teve medo de que
sua mãe a visse e a maltratasse diante dele.
- Você vai apenas até a
esquina.
- Mas você vai me mostrar a
sua casa.
Eles foram caminhando e
quando chegaram na esquina da casa dela, pararam. Jacira disse:
- Vamos nos despedir aqui.
- Qual é a casa que você
mora?
- Não vale a pena lhe dizer. É uma casa velha e
feia.
- Não importa. Hesitante,
Jacira apontou:
- É
aquela cinza, no meio do quarteirão.
Ele
tirou um cartão do bolso e deu-o a ela dizendo:
- Como
você não tem telefone, aqui tem o meu número. Ligue-me nos próximos dias,
poderemos sair, ir ao cinema, ou fazer o que você desejar.
Vendo
que ela estava indecisa ele continuou:
- Prometa
que vai me ligar.
- Está
bem. Agora tenho de ir.
Ela
estendeu a mão que ele segurou e beijou-a na face. Jacira sentiu as pernas
tremerem.
- Boa
noite - disse ele sorrindo. - Não deixe de me ligar.
- Boa
noite - respondeu ela, afastando-se depressa.
Seu
coração batia descompassado. Parecia-lhe ter cometido um crime. Seu rosto
maquiado, corado pela
emoção, o atraso para chegar em casa, tudo isso faria com que a mãe notasse que
algo diferente havia acontecido.
Abriu o pequeno portão de ferro do jardim, caminhou
até a porta e esperou um pouco para entrar. Mas estava difícil de se acalmar.
Olhou o relógio, passava das nove. Nunca tinha chegado em casa tão tarde.
Respirou fundo, abriu a porta e entrou.
Seus
pais estavam na sala vendo televisão na obscuridade e ela passou rápido, foi logo para o quarto.
Ouviu a voz da mãe gritar:
- É
você, Jacira? Por que voltou tão tarde e foi para o quarto? O que aconteceu?
- Nada.
Está tudo bem.
- Desça
para jantar e lavar a louça. Apesar de estar com fome, ela respondeu:
- Não
quero jantar. Estou cansada e vou dormir.
Ela
fechou a porta do quarto e olhou-se no espelho. Seu rosto corado, maquiado, os cabelos brilhantes
e arrumados, fizeram-na sorrir com prazer. Parecia outra mulher, mas era ela.
Lembrou-se
de Nelson, ele aparentava uns quarenta anos, era alto moreno, grandes olhos
castanhos, sorriso bonito, elegante, bem-vestido. Difícil acreditar que ele
tivesse gostado dela.
Mas
era verdade. O cartão dele ainda estava na sua mão.
Alguém
mexeu na maçaneta da porta e Geni gritou irritada:
- Jacira!
Por que trancou a porta? Abra, eu quero falar com você.
Ela
não tinha coragem de abrir. A mãe bateu com insistência pedindo que ela
abrisse. Jacira irritou-se, guardou o cartão na gaveta e depois abriu a porta
dizendo:
- O
que quer? Eu estava arrumando minhas coisas para amanhã cedo.
Ela
entrou e colocou a mão na boca dizendo assustada:
- Jacira!
O que você fez, ficou louca? Está parecendo uma...
Jacira
a interrompeu:
- Não
termine. Eu sei muito bem o que estou fazendo. Não quero sua opinião. Eu tenho
idade para saber o que quero.
- Não
acredito que esteja me desafiando desta forma. Ai... Estou me sentindo mal...
Tide, venha depressa ver o que Jacira fez. Essa filha ainda me mata!
O
programa de televisão estava interessante e Aristides fingiu que não ouviu. Jacira
controlou a raiva e com voz firme respondeu:
- Você
terá de se acostumar. De hoje em diante vou me arrumar assim.
Os
olhos de Geni brilharam
raivosos. Ela gritou:
- Tide!
Venha aqui, já. Jacira está me afrontando. Eu que sempre me sacrifiquei por
ela. Tiiide! Estou passando mal, socorro!
Jacira
suspirou procurando conter-se. Naquele momento ficou claro que ela estava
fingindo. Agia assim para manipular a família.
Nervoso
por ter de atendê-la, Aristides
subiu as escadas quase correndo e viu Geni amparada na porta do quarto.
- O
que aconteceu? - indagou.
- Olhe
para Jacira. Veja com seus próprios olhos o que ela fez.
Aristides olhou, viu e admirou-se:
- Jacira!
Como você está bonita! Parece outra pessoa.
- Bonita?!
É isso o que você diz? Ela está vulgar pintada desse jeito. Está me afrontando
dizendo que vai pintar-se assim todos os dias.
- É,
pai. Daqui para a frente vou me arrumar como as outras mulheres.
Aristides estava boquiaberto. Não é que Jacira estava até
bonita?
Voltando-se para Geni disse:
- Você
está exagerando. Não é tanto como você
diz.
Geni começou a soluçar dizendo:
- Você
também está contra mim? Como pai deveria obrigá-la a lavar essa cara e arrumar
o cabelo como antes. Filha minha não pode sair por aí como uma qualquer. Até as
unhas ela pintou de vermelho. Onde já se viu?
- Jacira,
você deve respeitar sua mãe e fazer o que ela pede - disse Aristides sem muita convicção.
- Pai,
sou uma mulher de trinta e oito anos. Posso decidir me arrumar como gosto.
Fazendo isso não estou faltando com o respeito a você e a ela. Eu não gosto da
maneira como mamãe se arruma, mas nunca disse nada. Ela tem o direito de se
vestir como quer.
- Está
vendo? Agora ela me ataca dizendo que não sei me vestir. Ai, estou com falta de
ar... Acho que vou cair...
Aristides segurou-a pelo braço:
- É melhor se deitar. Vou
levá-la para o quarto. Com muito custo ela deixou-se levar soluçando
até
o quarto. Jacira fechou a porta, abriu a gaveta e segurou o cartão que Nelson
lhe dera. Ele era o primeiro resultado de sua mudança.
Sentiu uma onda de
alegria. Abriu o guarda-roupas e pensou que precisava
fazer outro vestido. Estava ansiosa para ir à aula de sábado e descobrir o que
Ernesto diria de sua nova aparência.
No dia seguinte veria com
Margarida como fazer
isso.
Geni, assim que Aristides
fechou a porta do quarto, parou de soluçar:
- Você ficou do lado dela e
contra mim.
- Mas ela está mais bonita.
- É isso que você quer que ela sinta? Já pensou que
se isso continuar todo nosso esforço em educá-la para nos amparar na velhice
terá sido inútil? Que logo vai aparecer um sujeito qualquer e levá-la embora? O
que faremos se isso acontecer? Você não arranja mais emprego. Não temos renda.
Sua aposentadoria não é suficiente para nos sustentar.
Aristides, pensativo,
coçou a cabeça. De certa forma Geni tinha razão. O que fariam os dois sozinhos?
Geni não aguentaria fazer todo serviço da casa. Ele teria que ajudar. Adeus
leitura de jornais, os papos com os amigos na padaria e os programas de
televisão. Não. Isso não poderia acontecer.
- Você está certa. Eu errei.
Vou ficar do seu lado. Agora é tarde. Descanse. Amanhã falarei com ela. Jacira
terá de nos obedecer como sempre fez.
- Isso mesmo. Nós precisamos
dela e não podemos facilitar.
Após essa resolução, Aristides deixou Geni no quarto e
prazerosamente voltou a sentar-se
diante
da televisão.
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